NÚCLEO INFÂNCIA - ADOLESCÊNCIA
ARTIGOS - TEXTOS E AFINS
Onde se vê a árvore não se vê a floresta
Evânia Reichert
A cultura tem, muitas vezes, um efeito devastador sobre o desenvolvimento integral de uma pessoa. Se, de um lado, a nossa subjetividade se constitui a partir da interação com o outro, também é esse outro que pode desconstituir e afetar seriamente o fluxo de nosso amadurecimento psicoafetivo, físico, cognitivo e social, com seu não-olhar ou seu olhar obtuso. No caso das crianças com necessidades especiais, essa realidade é cotidiana e ainda mais dura do que em crianças, adultos e adolescentes sem dificuldades aparentes.
A metáfora onde se vê a árvore, não se vê a floresta nos remete imediatamente ao olhar fraccionado e condicionado – calcado no medo e na vergonha – que geralmente condiciona o mundo adulto quando nasce uma criança sem o selo de 100% em suas habilidades. Muitas vezes esse olhar, agravado pelos condicionamentos sociais, engendra condutas de desamor que são mais destruidores do que a própria dificuldade que a criança apresenta. Outras vezes, o adulto que é pai ou mãe sente-se tão injustiçado com o filho nascido, que passa a construir para ele uma vida fracassada, sem chances de evolução, envolta em sofrimento e desistência.
A estimulação precoce, além de um recurso terapêutico que promove o desenvolvimento de uma criança em seu retardo e em suas inaptidões, é também uma ferramenta se reconstituição – e muitas vezes, até mesmo de constituição básica – dos vínculos entre pais e filhos, promovendo um ângulo maior de visão destes adultos com seus pequenos.
O olhar focado no déficit é geralmente um olhar que não promove o desenvolvimento, pois nada vê além do déficit; é cego para o todo e para tudo a mais que pode se desenvolver em um bebê, em uma criança, em um adolescente e até mesmo em um adulto, quando esse é visto e reconhecido em sua totalidade. Quando se vê apenas a árvore, como sugere a metáfora, não se tem amplitude de visão para se enxerger a floresta e todas as possibilidades que ela contempla.
Da mesma forma, podemos fazer aqui uma breve relação desse tema com a abordagem inter e transdisciplinar no atendimento terapêutico. Quando um único profissional interage com uma equipe e reúne todos os demais olhares, ele pode vir a ter mais recursos para enxergar além da árvore e realmente ajudar no desenvolvimento de um bebê, de uma criança ou de qualquer pessoa, em especial as que apresentam necessidades especiais.
A humanização no atendimento terapêutico, na educação escolar e no ambiente familiar passa, necessariamente, por essa metáfora, em qualquer caso, mesmo nos casos de crianças e adolescentes sem problemas desta ordem. Porém, quando se trata de crianças com necessidades especiais essa é uma condição decisiva para ocorrer avanços. Profissionais que não conseguem ver a floresta, têm dificuldades de compreender e cuidar de árvores. Mesmo sozinhas, mesmo doentes, mesmo podadas, mesmo distantes de seu eco-sistema, as árvores são e sempre serão a floresta.
Somente através deste resgate, ou seja, do olhar que enxerga o Ser, a pessoa em sua amplitude - além do déficit -, é possível descobrir um gênio atrás de um disléxico; uma criança amorosa e brilhante atrás de um Down; um movimento inesperado e ansioso por se expressar, atrás de uma criança paralisada; e, um olhar vivo e brilhante atrás de qualquer pessoa que consegue ser vista, aceita e respeitada.